CASA DO ESPAÇO
Mais do que o alvorecer do homem, trata-se do alvorecer da consciência, pois não se verificando como o maior da sua condição, é o que maior pensa. A posição privilegiada de quem toma consciência de si próprio revela-se desconcertante, intempestiva, uma urgência causada pelo vigor do existencialismo, que se baliza entre a emoção e a razão, em parte pelo sonho, numa outra face por uma ambição desmedida de quem se pergunta, desde o início: qual é o nosso lugar?

Estas estruturas discursam com eloquência sobre os desejos e inquietações de um povo que procura, furtivamente, um espaço intersticial, para que o céu não seja mais impalpável, representativo do infinito, antípoda da Terra.
STONEHENGE. 300 a.c.,
Salisbury, Reino Unido.
LUZES NOTURNAS DA EUROPA OCIDENTAL. 2020
(Nasa)
É a primeira manifestação do homem criando o seu universo, criando-o à imagem da natureza, aceitando as leis da natureza (...) As leis da gravidade, da estática, da dinâmica [que] se impõe pela redução ao absurdo: ficar de pé ou desmoronar-se.
LE CORBUSIER, 'Por uma Arquitectura'. São Paulo: Perspetiva 2009. p.45
SATURNO. 1997-2017
(Sonda Cassini Huygens)
Antes de saber que a Terra está no céu e o céu está em toda a parte, os teólogos instalaram no “céu empíreo” a Trindade, o corpo glorificado de Jesus, o da Virgem Maria, as hierarquias angélicas, os santos e toda a milícia celeste. [...] Mas essa linda abóbada sólida não existe! Já fiz um balão mais alto que o Olimpo Grego, sem jamais ter conseguido tocar nesta tenda que foge à medida que é perseguida.
Vivíamos numa tijela de estrelas. Nós, homens, como propósito, na inocente perspetiva de habitar um universo feito para nós, onde a Terra ocupava a arrogante posição cósmica centralizante, e os restantes corpos celestes eram seus submissos. Com a invenção do telescópio em 1609 por Galileu Galilei, compreenderam-se os movimentos dos astros como aparentes e que a Terra se movimenta por rotação e translação. Os observatórios advêm desta vontade de observar, aguçando a perspicácia científica numa arquitetura que surge numa ordem de instrumento de cálculo, em que as estrelas deixam de ser contempladas para serem medidas. Encarou-se a realidade de que o Sol é só mais um estrela e confirmou-se a vastidão de corpos celestes além do observável no firmamento: o Universo perdeu os limites e descobriu-se o infinito.
Desta forma, inteiramo-nos da condição que nos é própria, de que somos, meramente, ou espetacularmente, poeira das estrelas.
OBSERVATÓRIO ASTRONÓMICO JANTAR MANTAR.
1735, Jaipur, Índia.
Smrat Yantra (Relógio de Sol)
1735, Jaipur, Índia.
TERRITÓRIO DE 40.000 ANOS-LUZ DE EXTENSÃO, 2015
Galáxia Andrómeda - M31.
(Hubble, Nasa)
FLAMMARION, Camille, ‘L’atmosphère - Météorologie populaire’. Libraire Hachette, 1888. p.162
A Terra é uma arquitetura líquida. Um corpo que se redesenha regularmente em marés baixas e marés altas, florestas que se agitam pelo vento, planícies que se tingem de luz do amanhecer e do entardecer, colapsos que erguem fronteiras, cataclismos que provocam eras geológicas, vida que prolifera e organiza o seu próprio mundo. Do Espaço Sideral, brilha a forma mais visível do Antropoceno - as cidades - o novo mundo na Ordem que nos é própria. É a evidência de como o homem contracena com a Terra: com arquitetura.
Talvez seja algo inevitável de nós próprios.
ANEL DOURADO (ECLIPSE DO SOL). 2021.
(Shuchang Dong)
PLANO GALÁTICO DA VIA LÁCTEA.
Via Láctea, 2016.
(Gaia Telescope)
SVALBARD GLOBAL SEED VAULT
2006, Peter W. Söderman,
A ISS atua como um invólucro, um espaço que vive em limites numa relação de dependência com o que ele próprio engloba, e não com o que está à sua volta. É a casa mais longínqua da terra, que não se acomoda a nenhuma topografia e assiste, por dezasseis vezes, ao por-do-sol. É a pura realidade da ordem geométrica, das linhas reveladoras, a displicência da cor que não personaliza e a otimização através do vazio que responde, com eloquência, à condição daquele que é um espaço extremamente limitado.
Quanto mais longe da estrela, mais a referência se dissipa: o tempo e a gravidade; conduzindo à subversão do mundo observável, onde “a luz constrói o TEMPO, [...] e a gravidade constrói o ESPAÇO”(*).
Trata-se da independência das constantes universais do projeto arquitetónico, desde que se equilibrou a primeira pedra.
(*) CAMPO BAEZA, Alberto, ‘A Ideia Construída’. Casa de Cambra: Caleidoscópio, 2008. p.48
Estação Espacial Internacional.
2013.
(Nasa)
"Flying into NYC this morning... The clouds were so low there was a city in the sky", 2014.
New York, USA.
(Amanda Carey)
Somos íntimos com o universo, pelo sistema ordenado, do ciclo sem fim que é o “kósmos”, o “princípio ordenador e regulador das coisas, a ordem do mundo e, por extensão, o mundo”. É “tudo aquilo que existiu, existe e existirá”*. Será a arquitetura também algo impactante neste domínio vasto, como o lugar de alguém no mundo, criado à imagem da natureza, pelo gesto que determina a sua condição racional: ordenar; que sublinha, veemente, o desejo de integrar este mundo.
(*) SAGAN, Carl; ‘Cosmos’. Gradiva, 2019. p.29 *(ed. original: ‘Cosmos’. Random House, 1980.)
CASA DE CHÁ DA BOA NOVA.
1963, Álvaro Siza.
1.POLAR DUNE. 2. ICE SHEETS. 3.LAYERED ROCK.
2021, Marte.
(Nasa)